quinta-feira, 28 de outubro de 2010

“Tenha uma vida rica de vida”


Li esta frase em um texto de Maria Sanz Martins, “Minha Precoce Nostalgia”, que narra a conversa de uma senhora de 82 anos dando sábios conselhos à neta. Dentre as várias coisas que ela diz, a recomendação da atitude “tenha uma vida rica de vida”. Guardei com todo cuidado.

Será que uma vida, rica em vida, significa apenas ter uma vida repleta de alegrias? Claro que não é só isso! Vai muito além. O cuidar-se, amar-se, está embutido aí.

A luta contra o câncer de mama atravessa uma longa estrada e vem crescendo a passos largos na busca da conscientização da mulher sobre a importância de se cuidar.

Desde tenra idade, somos acostumadas a cuidar de muitas coisas. Das bonecas e brinquedos, ao marido, filhos, casa, trabalho, amigos, filhos de amigos, bichinhos de estimação, plantas, enfim, não faltam coisas e pessoas para cuidarmos. Somos cuidadoras natas. E cuidamos tanto de tudo que, as vezes, esquecemos de cuidar de nós mesmas.

Não temos título de posse da nossa saúde, isso a Deus pertence, mas temos um alvará de liberdade para administrá-la da melhor maneira possível. Dedicar tempo a nós mesmas, visitas regulares ao médico, auto- exame constante, busca de uma vida saudável e equilibrada (se é que isso é possível nos dias atuais), são algumas das atribuições contidas em nosso “alvará”.

Ter uma vida rica em vida, envolve nossas atitudes em relação a tudo o que nos cerca, e nossa saúde engloba isso aí também. Muitas vezes, somos cercadas pela ilusão de invensibilidade, justamente por saber que tantos precisam de nós. Parei para uma autocrítica e percebi que muitas vezes, sinto uma dorzinha aqui, outra ali e nunca acho tempo para investigar. E ainda tem o agravante de que tudo se resolve sem que eu precise ir ao médico. Na minha cabeça, ir ao médico é perder tempo.

Então, esse Outubro Rosa trouxe um novo ensinamento: cuidar-me nunca é perda de tempo. Eu mereço. Eu preciso.

Um restinho de Outubro Rosa para todas. Que de novembro a setembro não se enfraqueça a luta, tão importante para todas nós!

sábado, 9 de outubro de 2010

O Tapete Amarelo


Moro em um extremo da minha cidade e meus pais em outro. Esta distância dificulta a assiduidade à casa deles, lar onde nasci e vivi até meus vinte cinco anos. Um apartamento pequeno, mas sempre muito bem cuidado e, constantemente, reformado pelas incansáveis buscas de mudança aspiradas pela mãe. O que ela não conseguia mudar na vida dela acho que, inconscientemente, ela transferia para mudanças físicas do lar. Parece uma casinha de bonecas.

Esta semana, com minha mãe curtindo um pouco de paz em Aracaju, estive mais presente para dar suporte ao meu pai, que se recusou em ficar na minha casa enquanto ela viajava. No silêncio característico daquela casa, tudo estava diferente, mas estranhamente, tudo estava em seu devido lugar. Meu quarto ainda com minha grande foto na parede, o armário da minha infância, branco como neve com portas cheias de segredos e sonhos. Gostava de esconder-me onde minha mãe guardava as roupas de cama. O espelho não está mais lá, foi transferido para uma parede esquecida.

Na sala, a luz de penumbra que iluminou tantas vezes minhas apresentações vestidas com aquela camisola longa e sapatos de salto que sobravam em meus pés, já não é mais utilizada. A TV não é a mesma, nem na sala habita mais. Cada quarto possui uma, proporcionando a individualidade/individualismo da vida moderna.

Na pequena cozinha falta a mesa marrom, encostada na parede, onde fazia a lição de casa, onde almoçava, onde a Dos Anjos passava, semanalmente, a roupa que a família acumulava e que os três turnos de trabalho da minha mãe não permitiam sobrar tempo para administrá-la.

No corredor o espelho que eu adorava ajudar a pintar a moldura com tinta spray, deu lugar a um moderno objeto de decoração. O antigo vive sem moldura no lavabo do meu, contraditoriamente, espaçoso apartamento. Mas agora é outro, reflete novas imagens, novas vidas.

No banheiro estava lá, o tapete amarelo. Hoje nem tão amarelo como há muitos anos atrás, mas resistiu a todas as pisadas molhadas, após banhos demorados onde eu podia ser princesa, bailarina, professora ou, simplesmente eu mesma.

Como ele resistiu a tantos anos? Descobri que ele estava esquecido no armário. Há mais de vinte anos não era usado. Voltou ao banheiro por acaso, pois meu pai não encontrou outro durante ausência turística da minha mãe. Alegrei-me ao vê-lo tão inteiro...

Tenho acompanhado de forma reflexiva, o envelhecimento de meus pais, dos pais de meus amigos, da minha sogra. Alguns bem inteiros e ativos, outros nem tanto. Alguns esperam a morte chegar, outros nem esperam mais nada. Será que a nossa geração vai resistir às “pisadas” como a geração dos nossos pais resistiu? Ou, como aquele tapete amarelo, estamos colocando nossos idosos num canto qualquer do armário e nos esquecendo deles?

O tapete amarelo era apenas um simples tapete, mas trouxe com ele muitas lembranças. Me fez pensar, pensar e repensar...