sábado, 9 de outubro de 2010

O Tapete Amarelo


Moro em um extremo da minha cidade e meus pais em outro. Esta distância dificulta a assiduidade à casa deles, lar onde nasci e vivi até meus vinte cinco anos. Um apartamento pequeno, mas sempre muito bem cuidado e, constantemente, reformado pelas incansáveis buscas de mudança aspiradas pela mãe. O que ela não conseguia mudar na vida dela acho que, inconscientemente, ela transferia para mudanças físicas do lar. Parece uma casinha de bonecas.

Esta semana, com minha mãe curtindo um pouco de paz em Aracaju, estive mais presente para dar suporte ao meu pai, que se recusou em ficar na minha casa enquanto ela viajava. No silêncio característico daquela casa, tudo estava diferente, mas estranhamente, tudo estava em seu devido lugar. Meu quarto ainda com minha grande foto na parede, o armário da minha infância, branco como neve com portas cheias de segredos e sonhos. Gostava de esconder-me onde minha mãe guardava as roupas de cama. O espelho não está mais lá, foi transferido para uma parede esquecida.

Na sala, a luz de penumbra que iluminou tantas vezes minhas apresentações vestidas com aquela camisola longa e sapatos de salto que sobravam em meus pés, já não é mais utilizada. A TV não é a mesma, nem na sala habita mais. Cada quarto possui uma, proporcionando a individualidade/individualismo da vida moderna.

Na pequena cozinha falta a mesa marrom, encostada na parede, onde fazia a lição de casa, onde almoçava, onde a Dos Anjos passava, semanalmente, a roupa que a família acumulava e que os três turnos de trabalho da minha mãe não permitiam sobrar tempo para administrá-la.

No corredor o espelho que eu adorava ajudar a pintar a moldura com tinta spray, deu lugar a um moderno objeto de decoração. O antigo vive sem moldura no lavabo do meu, contraditoriamente, espaçoso apartamento. Mas agora é outro, reflete novas imagens, novas vidas.

No banheiro estava lá, o tapete amarelo. Hoje nem tão amarelo como há muitos anos atrás, mas resistiu a todas as pisadas molhadas, após banhos demorados onde eu podia ser princesa, bailarina, professora ou, simplesmente eu mesma.

Como ele resistiu a tantos anos? Descobri que ele estava esquecido no armário. Há mais de vinte anos não era usado. Voltou ao banheiro por acaso, pois meu pai não encontrou outro durante ausência turística da minha mãe. Alegrei-me ao vê-lo tão inteiro...

Tenho acompanhado de forma reflexiva, o envelhecimento de meus pais, dos pais de meus amigos, da minha sogra. Alguns bem inteiros e ativos, outros nem tanto. Alguns esperam a morte chegar, outros nem esperam mais nada. Será que a nossa geração vai resistir às “pisadas” como a geração dos nossos pais resistiu? Ou, como aquele tapete amarelo, estamos colocando nossos idosos num canto qualquer do armário e nos esquecendo deles?

O tapete amarelo era apenas um simples tapete, mas trouxe com ele muitas lembranças. Me fez pensar, pensar e repensar...

4 comentários:

  1. Nossa... o texto está lindo... e realmente faz pensar...

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  2. Que bom estah de volta, o ultimo foi em Julho.
    Mais uma vez uma leitura inteligente e cheia de indagacoes. Isso mesmo, nao esquecer dos nossos idosos, continuam sendo as mesmas pessoas, que de certa forma, sao responsaveis pelo que somos hoje.Todo respeito e cuidado com eles. Eu ateh jah sou um deles, hehe. Mas nao sei porque, vivo trocando os tapetes, sempre ha um diferente na minha decoracao..Obrigada Ju por nos presentear com seus escritos. Beijins Tia Neide

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  3. Nossa que bonitinho o tapete amarelo! Valeu seu pai o ter reabilitado...Quantas reflexões!!! Parabéns, belo texto.
    Um beijo

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  4. Obrigada, Amy! Já conversamos sobre essas coisas, não é mesmo?!E assunto nunca se esgota...Bjs!
    Tia Neide, mais jovem que você está difícil de encontrar. Nossa diferença de idade nem é tanta assim... Obrigada por sempre acompanhar de perto e incentivar meus escritos. bjs!
    Sônia, minha Amiga Querida, obrigada pelo carinho, ver meu Super Herói tão fragilizado e dependente tem sacudido minhas emoções... Bjs!

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